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Dieta low carb, rins e proteínas: em busca da verdade (mesmo que momentânea)




Dieta low carb, rins e proteínas: em busca da verdade (mesmo que momentânea)

Eu aprendi desse jeito e todo mundo faz assim! O Professor Doutor da Universidade XYZ disse que é desse jeito! Eu tenho certeza absoluta! É muito lógico para não ser verdade.

Parafraseando um famoso dito popular diria que, quem nunca disse uma dessas expressões que atire a primeira pedra! Está intrinsecamente tatuado no ser humano o pensamento linear, simplista e cartesiano.

Aprenda algumas coisas básicas do pensamento científico: todo mundo pode estar fazendo errado, o Professor Doutor não é o rei da verdade, certeza não combina com ciência e lógica não garante verdade.

A revolução científica dos últimos 500 anos foi pautada com base no termo latino ignoramus, que significa nós não sabemos. Isso deve ser praticado com ceticismo e dúvidas, sempre buscando desmentir nossas verdades provisórias.

Reconhecer a ignorância foi fundamental no crescimento vertiginoso verificado nesse período em inúmeras áreas: física, química, biologia, matemática. Crescemos em 5 séculos mais do que em toda história da humanidade.


E o que isso tem haver com dieta de baixo carboidrato, rins e proteínas?

Pois bem…

Aprendi um mantra na minha faculdade que foi ratificado durante minha residência médica, tanto em clínica geral como em nefrologia: comer muita proteína lesa os rins!

Até 2014 era exatamente o que eu acreditava e preconizava junto aos meus pacientes com disfunção renal estabelecida ou naqueles com maior potencial de lesão, no intuito de prevenir a progressão inexorável rumo a uma máquina de diálise.

Quando conheci a dieta com baixo teor de carboidratos e acabei utilizando-a com sucesso para tratamento de uma sindrome metabólica, expressa no meu caso sob a forma de diabetes tipo 2, sobrepeso e alterações nos triglicérides, um dos meus maiores medos era relacionado à saúde renal; afinal de contas, como nefrologista, essa sempre havia sido minha grande preocupação nutricional junto aos meus pacientes: as proteínas.

Será que eu estava certo? Seria a proteína mesmo lesiva? A dieta low carb precisa ser hiperproteíca? A abordagem nutricional deve ser a mesma, independente da função dos rins?

Quer saber como fiz para responder essas e outras dúvidas clínicas?

Sendo cético, humilde e lançando mão de conhecimentos de saúde baseada em evidências. Partindo dessa tríade, busquei as respostas para minhas indagações pessoais.


É plausível essa hipótese?

Lógica não garante certeza, mas plausibilidade biológica é fundamental na geração de hipóteses.

A associação entre consumo de proteínas e saúde renal é aventada como sendo um agente de aceleração na perda da função dos rins. Não faltam evidências corroborando essa sugestão. (veja aqui)

Essa história remete a meados do século passado, antes do advento das terapias dialíticas, quando Addis T. (veja aqui) mostrou que a restrição protéica conseguia reduzir os níveis de uréia (marcador de doença renal) mesmo em indivíduos saudáveis, sendo essa intervenção bastante utilizada como forma de tratamento de pacientes urêmicos (fase final da doença renal). Partindo da lógica reversa, comer mais proteína poderia prejudicar a saúde renal, certo?

O principal mecanismo de lesão, presente em cenários como no caso do diabetes, seria a hiperfiltração e o aumento na pressão glomerular, unidade filtradora dos rins.

Ótimo! Temos uma teoria plausível, entretanto nada disso garante que esse desfecho substituto (mecanístico) signifique perda de função renal.

Sabendo que a hipótese faz sentido, partimos para uma investigação mais criteriosa da literatura. E assim eu fiz.


Há piora da função renal em um indivíduo com rins sadios e que come uma dieta hiperprotéica?

Uma revisão sistemática de 28 ensaios clínicos randomizados (veja aqui) com um total de 1356 pacientes não mostrou nenhuma diferença na taxa de filtração glomerular entre aqueles que fizeram uma dieta hiperprotéica (maior que 1,5 g/Kg/dia,  mais de 20% da ingesta energética ou mais de 100g por dia) em comparação com normo ou hipoprotéica.

Pensando de forma inversa podemos rastrear o motivo pelo qual os pacientes estão chegando nas fases finais da doença renal crônica e precisando de terapia renal substitutiva, concordam?

O censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia tem mostrado sistematicamente e em concordância com a literatura mundial, duas causas como líderes nesse quesito: hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes mellitus (DM). Seguem-se doenças familiares como nefrites e doenças císticas.

Trabalho com nefrologia desde 2004 e ainda não tive oportunidade de ver alguém dialisando porque comeu muita proteína. Há algum tempo estou na saga em busca de um dialítico que chegou ali por ter abusado na quantidade de bifes, mas também não encontrei nenhum colega nefrologista que já tenha visto esse sujeito.

Sinceramente acredito tratar-se de mais uma falácia lógica. Não entendeu? Explico melhor. Atividade física faz bem para a saúde, certo? Entretanto cardiopatas graves não podem fazer corridas matinais porque podem até morrer. O problema não é a atividade física e sim a grave disfunção cardíaca.

A história se repete com nefropatas críticos. Quando os rins estão seriamente acometidos, eles podem não conseguir metabolizar uma quantidade maior de proteínas, mas isso não significa que esse macronutriente seja a causa do problema.

Ok! Não há receio se seus rins funcionam bem, mas devemos restringir proteína para todos os pacientes com prejuízo na função renal?

Essa foi minha próxima questão.


E quando já existe lesão funcional renal?

Primeiramente é preciso ter idéia da gravidade do dano. Considerando o clearance de creatinina como referência, considera-se doente renal crônico aqueles com depuração abaixo de 60 ml/min/1,73 m2(veja aqui). E se quiser saber seu clearance a partir da sua creatinina no sangue clique aqui. A calculadora mais acurada é a CKD-EPI.

Habitualmente os pacientes que iniciam alguma modalidade de substituição renal tem esse clearance abaixo de 10 ml/min/1,73 m2; ou seja, não é tão simples comparar esses dois tipos de pacientes (60 x 10 ml/min/1,73 m2), apesar de ambos terem algum tipo de lesão renal. Apesar disso, vejo ordinariamente esses indivíduos serem tratados da mesma forma quando o assunto é restrição proteíca.

Quando olhamos a principal referência em termos de diretrizes dentro da nefrologia, o KDIGO, no seu guideline de doença renal crônica (veja aqui) há uma sugestão de restrição de proteínas para 0,8 g/Kg/dia em pacientes com clearance abaixo de 30 ml/min/1,73 m2.

Teria isso um robusto lastro científico para justificar tamanha adesão por parte dos profissionais dessa recomendação? Afinal de contas, o que acontece no cotidiano da prática clínica de médicos, nutricionistas e outros profissionais da saúde, é que  basta dizer problema nos rins que remete-se de forma medular e instantânea à redução no consumo de proteínas.

O MDRD é o principal trial randomizado quando o assunto é restrição protéica entre renais crônicos. Nesse quesito foram testados pacientes com graus distintos de lesão renal e diferentes aportes de proteínas:

  • Disfunção renal moderada (25 a 55 ml/min/1,73 m2): 1,3 x 0,6 g/Kg/dia.

  • Disfunção renal severa (13 a 24 ml/min/1,73 m2): 0,6 x 0,3 g/Kg/dia. Nesse último grupo suplementação com cetoácidos.

Os pacientes foram acompanhados por um período médio de 2,2 anos com relação à progressão da doença renal. Quer saber o resultado?

Em ambos os grupos NÃO houve diferença na progressão da doença renal a despeito da quantidade de proteína na dieta. Duvida? Veja os gráficos abaixo retirados do próprio artigo. Interessante notar que na disfunção moderada, apesar de não haver significância estatística, o grupo com 1,3 g/Kg/dia teve uma leve tendência de perda mais lenta da função renal.

É isso mesmo! Quem comeu mais proteína teve uma propensão a piorar menos o funcionamento renal ao longo do tempo.

Apesar da evidência vigente não suportar a restrição protéica e a própria diretriz citar sobre sua baixíssima aderência, seguimos vendo essa estratégia sendo defendida com fervor sectarista pela massa dos profissionais da saúde.

E quando o paciente opta, como eu fiz nos idos de 2014, por uma dieta restrita em carboidratos? Seria isso perigoso?

Essa é a questão a seguir.


Low carb, per se, pode lesar os rins?

O medo parece ser o combustível primordial dessa dúvida, nos transportando à década de 70 e a um nome: Robert Atkins.

Partindo do pressuposto que a restrição de carboidratos poderia ser uma alternativa segura e eficaz para tratamento da obesidade e suas mazelas, ele teve publicou um livro que virou best seller e tratou com sucesso milhares de pacientes em sua clínica.

Preconizando um maior consumo de derivados animais nas fases iniciais, ela passou a ser conhecida, por muitos, como a dieta da proteína. Daí para ela virar um crime contra a saúde renal foi um pulo.

Apesar do sucesso evidente, Atkins foi extremamente criticado por profissionais e leigos. Eu mesmo joguei pedras no Dr. Atkins, considerando sua estratégia alimentar uma grande picaratagem. A questão é que meu alicerce era arenoso, frágil e pseudocientífico, com base no mais puro e perigoso senso comum.

Quando analisamos a literatura com critério é fácil constatar que, para começar, o teor de proteínas tende a ser semelhante entre os vários perfis dietéticos. Veja por exemplo nesse ensaio clínico randomizado – ECR (veja aqui), que ao final do 1o.ano o conteúdo energético diário de proteínas ficava entre 18 e 20%, independente da dieta. A alteração dos macronutrientes era decorrente do binômio carboidratos e gorduras.

Se não bastasse isso, uma revisão sistemática de ECRs (veja aqui) com pacientes em dieta low carb não mostrou qualquer tipo de impacto negativo na função renal daqueles que optaram por seguir essa estratégia.

Sinto-me na obrigação de desculpar-me publicamente com o Dr. Atkins a quem julguei de forma leviana e sem qualquer embasamento científico.

E deixo aqui um mantra: dieta low carb não é igual a dieta da proteína!

Mas e se fosse?


E se você quiser comer uma dieta com maior teor de proteínas?

Se você quer provar que algo não é ruim, nada melhor do que mostrar que ele bom.

Como assim?

Se for demonstrado que comer mais proteínas pode, além de não ser danoso, ser protetor, aí sim temos uma evidência robusta.

E pasmem!!! Ela existe! (veja aqui)

Esse estudo californiano testou a hipótese de uma dieta restrita em carboidratos, ferro e enriquecida com polifenóis (CR-LIPE) poder retardar a progressão da nefropatia diabética (doença renal causada pelo diabetes) quando comparada à dieta tradicional, onde o grande pilar é a restrição de proteínas (Control).

O racional para uso de uma dieta com baixo teor de carboidratos em diabéticos é óbvia, visto que a doença tem nesse macronutriente seu principal vilão. Existem evidências de modelos experimentais sugerindo que polifenóis (presentes em chás, vinho, azeite) poderiam ser protetores para os rins e que o ferro poderia ser um fator ofensor, sendo essa a razão da associação desses pontos à dieta low carb.

A dieta CR-LIPE reduzia em 50% o consumo prévio de carboidratos dos pacientes, substituía carnes ricas em ferro (boi e porco) por pobres (frango e peixe), eliminação de bebidas (leite liberado no desjejum) que não fossem água, chá e vinho tinto (máximo 300 ml/dia), uso exclusivo de azeite extra virgem (ricos em polifenóis) para saladas e frituras. O consumo de alimentos, com exceção dos carboidratos, não tinha qualquer tipo de restrição (nem de proteínas). A dieta do grupo controle foi o padrão recomendado habitualmente para insuficiência renal, com restrição protéica (0,8 g/Kg) e isocalórica para o peso corporal do paciente. A composição das dietas pelo seus macronutrientes ficou conforme a tabela abaixo.

Randomizaram 191 pacientes diabéticos e com injúria renal moderada (creatinina média de 1,8 mg/dl). Sim! Eram nefropatas com uma das doenças campeãs, o diabetes, em termos de levar pacientes para a diálise.

Os desfechos estudados foram duplicação no valor da creatinina (exame laboratorial utilizado para medir a função renal) e uma taxa composta de pacientes com doença renal crônica terminal e mortalidade geral. O tempo médio de acompanhamento foi de 3,9 anos.

Os resultados foram extremamente favoráveis à intervenção low carb. Redução de risco ABSOLUTO de 18% na dobra da creatinina (A) e de 19% no desfecho composto (B) – (evolução para doença renal crônica terminal ou morte).

Apesar de acreditar que uma boa taça de vinho e que a retirada de carnes ricas em ferro possam ter contribuído nos ótimos resultados obtidos com a dieta implementada, a plausibilidade biológica da retirada dos carboidratos em diabéticos, mesmo que para níveis ainda considerados altos em uma dieta low carb (35% no referido estudo), parece explicar melhor tamanha redução de desfechos clínicos nos pacientes com nefropatia diabética.

Está aí escrutinada a evidência que coloca a proteína mais como parceira do que como inimiga dos rins.




E a conclusão disso tudo?

Pacientes com disfunção renal, independente da etiologia, principalmente quando mais graves, podem se beneficiar de uma restrição de proteínas, afinal de contas os rins estão envolvidos diretamente no metabolismo desse macronutriente. Apesar disso, não existe evidência suficiente para determinar que isso seja uma regra para todos.

Já no caso específico dos diabéticos e de modo mais amplo nos portadores de síndrome metabólica com sua resistência insulínica; esses sim, sabidamente se beneficiam da redução de carboidratos na sua dieta, sendo lógico imaginar que as consequências danosas causadas por essa doença, como a lesão renal, são mitigadas com essa intervenção.


As boas intenções e o medo são irmãos do senso comum e fortes opositores da verdadeira ciência.


Jamais conseguiremos dizer que a proteína não é lesiva ao rim. Seria anticientífico! Não é possível provar um negativo. Só que a realidade sugere estarmos diante de um verdadeiro cisne negro, caso essa hipótese seja em algum momento confirmada.

Se novas evidências mostrarem isso, prontamente reavaliarei minha conduta, afinal ciência tem verdades dinâmicas. Até lá, sigo acreditando que seja preferível às pessoas e seus rins comerem mais bife a cavalo do que pão integral com ricota e margarina.


Texto por: 

Dr. José Neto Nefrologista Diretor Científico da Sociedade Mineira de Nefrologia

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